Jejum intermitente: estratégia de emagrecimento ou modismo supervalorizado?
Com popularidade crescente entre celebridades e influenciadores, o jejum intermitente virou sinônimo de saúde e emagrecimento rápido. Mas o que diz a ciência?
Por Rafaela A. D’Aquino - CRN 16 463
Especialista em Emagrecimento Metabólico
O jejum intermitente ganhou espaço nos últimos anos como uma estratégia “natural” de perda de peso e regeneração celular. Com variações como o protocolo 16:8, jejum em dias alternados ou até o tradicional Ramadã — que restringe a alimentação do nascer ao pôr do sol — a prática consiste em restringir a ingestão calórica a janelas específicas de tempo, alterando o ritmo metabólico do organismo.
Do ponto de vista fisiológico, o jejum intermitente modifica rotas hormonais importantes, como a redução da insulina, o aumento de glucagon, a indução da cetogênese e a ativação de processos celulares como a autofagia — o que gerou especulações e interpretações equivocadas sobre seu real impacto na saúde e na composição corporal.
O Nobel e a distorção dos fatos
Em 2016, o cientista japonês Yoshinori Ohsumi recebeu o Prêmio Nobel de Medicina por seus estudos sobre o processo de autofagia — um mecanismo de “limpeza” celular identificado em leveduras (Ohsumi, Y., 2016). Porém, em nenhum momento sua pesquisa abordou jejum intermitente como ferramenta para emagrecimento. No Brasil, sua descoberta foi amplamente divulgada com associações incorretas, como se a prática do jejum fosse diretamente recomendada por ele, o que não é verdade.
De fato, o déficit calórico isolado já é capaz de induzir a autofagia, sem necessidade de jejum prolongado. A utilização do nome de Ohsumi para validar dietas populares demonstra como a ciência pode ser distorcida no discurso midiático.
O que dizem os estudos?
Pesquisas clínicas controladas comparando jejum intermitente com dietas hipocalóricas tradicionais não mostram superioridade significativa na perda de peso ou na manutenção da massa magra (Trepanowski et al., 2017; Harris et al., 2018). A adesão a longo prazo continua sendo um dos maiores desafios da estratégia, especialmente entre pessoas com histórico de compulsão alimentar ou uma relação emocional com a comida.
Em contrapartida, benefícios metabólicos têm sido observados em alguns estudos menores e de curta duração, como melhora da sensibilidade à insulina, redução de triglicerídeos, estresse oxidativo e inflamação sistêmica leve (Longo & Panda, 2016). Ainda assim, tais benefícios muitas vezes não se dissociam da simples perda de peso promovida pelo déficit energético total.
E quanto à perda muscular?
Há um temor comum de que o jejum possa levar à perda de massa muscular. No entanto, a literatura atual sugere que não há perda significativa de massa magra desde que a ingestão proteica esteja adequada e haja estímulo muscular (ex.: treino de resistência) (Tinsley & La Bounty, 2015). A variável mais crítica continua sendo a magnitude do déficit calórico, e não o jejum em si.
Atletas, porém, devem ser cautelosos: treinos em jejum podem prejudicar a performance, especialmente se o volume ou intensidade forem elevados. Para aqueles que treinam cedo, uma estratégia comum é considerar o jantar como pré-treino energético.
Casos extremos e longevidade
O caso mais extremo já documentado de jejum foi o de Angus Barbieri, que permaneceu 382 dias em jejum supervisionado, ingerindo apenas líquidos e eletrólitos. Ele perdeu mais de 120 kg sob cuidados médicos em ambiente hospitalar. No entanto, a sobrevida em jejuns extremos não passa de 70 dias em indivíduos comuns, ou até 35% de perda do peso corporal total — limiares que colocam a vida em risco.
Em estudos com roedores, protocolos de jejum ou de dietas que imitam o jejum (Fasting Mimicking Diets) demonstram impacto positivo sobre marcadores de longevidade e prevenção de doenças crônicas como diabetes, câncer e Alzheimer (Brandhorst et al., 2015). Em humanos, os resultados ainda são limitados e requerem maior evidência clínica.
Conclusão: não é milagre, é estratégia
O jejum intermitente não é melhor nem pior que outras estratégias alimentares, mas sim uma ferramenta que pode ser útil em determinados contextos. Ele não garante emagrecimento por si só — o que gera resultado é o déficit calórico, a consistência e o respeito à individualidade metabólica e emocional de cada paciente.
Seu uso deve ser criterioso, individualizado e acompanhado por profissionais habilitados, que considerem não só os aspectos nutricionais, mas o comportamento alimentar, a rotina e os objetivos do paciente.
Referências
Ohsumi, Y. (2016). Nobel Lecture: "Autophagy and the role of lysosomes in cell recycling".
Trepanowski, J.F. et al. (2017). "Effect of alternate-day fasting on weight loss, weight maintenance, and cardioprotection among metabolically healthy obese adults". JAMA Internal Medicine.
Harris, L. et al. (2018). "Intermittent fasting interventions for treatment of overweight and obesity in adults: a systematic review and meta-analysis". JBI Database of Systematic Reviews.
Longo, V.D. & Panda, S. (2016). "Fasting, circadian rhythms, and time-restricted feeding in healthy lifespan". Cell Metabolism.
Tinsley, G.M. & La Bounty, P.M. (2015). "Effects of intermittent fasting on body composition and clinical health markers in humans". Nutrition Reviews.
Brandhorst, S. et al. (2015). "A Periodic Diet that Mimics Fasting Promotes Multi-System Regeneration, Enhanced Cognitive Performance, and Healthspan". Cell Metabolism.